O PASTOR ANDRÉ VALADÃO PODERÁ SER RESPONSABILIZADO PELA LEI PENAL BRASILEIRA SE SUA FALA NOS EUA FOR CONSIDERADA HOMOFÓBICA?
Por Rafael Torres, advogado, professor, mestre e doutorando em Direito.
Antes de adentrar na análise técnica jurídica sobre a manifestação do pastor André Valadão, importante apresentar uma breve digressão acerca do caso: No último domingo (03/07/2023) o pastor participando de um culto religioso na filial da igreja Batista da Lagoinha em Orlando, nos Estados Unidos aduziu que, se pudesse, "Deus mataria" e "começava tudo de novo" em relação à comunidade LGBTQIA+. Em seguida, afirmou aos fiéis que "agora estava com eles" e que deveriam "ir para cima".
Sua fala foi palco de imensa repercussão, apresentando a grande mídia e alguns operadores do Direito que o discurso do Pastor caracterizaria homofobia e incitação ao crime. A intensidade da notícia ocasionou de acordo com matéria publicada pelo UOL pedido de prisão feito pela parlamentar Erika Hilton.
Após esses breves relatos sobre o caso, a análise a ser feita através deste artigo não é no tocante a discussão se o ato do pastor André Valadão foi ou não homofóbico, poderá ser assunto a ser refletido em um outro momento, mas o que remonta é se assim for considerado, poderia haver responsabilização criminal em face do Pastor André Valadão tendo em vista que o discurso ocorreu em País estrangeiro?
Para que haja uma afirmação acerca do questionamento ventilado perante as linhas pretéritas há a necessidade de uma análise sistemática da norma jurídica. O caso demanda em um primeiro instante conhecer a despeito da eficácia da lei penal brasileira no espaço, mais precisamente quanto a extraterritorialidade.
Quanto ao ponto acima apresentado, é necessário salientar que a lei penal brasileira adota um critério geral, no sentido de que ela é válida dentro de todo o território brasileiro. Todavia, em casos excepcionais, a nossa lei poderá extrapolar os limites do território brasileiro, alcançando crimes cometidos exclusivamente em países estrangeiros, é o que se apresenta pela extraterritorialidade.
O diploma penal brasileiro, reclama perante o artigo 7º, incisos I e II e o parágrafo 3º, algumas hipóteses em que embora o fato tenha ocorrido fora do nosso País, poderá haver a aplicação da reprimenda penal da nossa nacionalidade.
O inciso II, alínea “a”, traz a possibilidade da reprimenda quando houver a pratica de um crime e o Brasil, seja obrigado a reprimir em virtude de ser signatário de tratados ou convenções internacionais, demandando, ademais, a necessidade de que o agente que praticou o ato delituoso retorne ao território nacional, que o fato seja considerado criminoso no local onde foi desenvolvido (Orlando – EUA) e os demais requisitos previstos no artigo 7º, é uma espécie de extraterritorialidade vinculada.
A partir desse momento, surge a necessidade de uma análise sobre o reconhecimento da criminalização no Brasil por atos homofóbicos, após identificar se é uma espécie de infração penal a qual o Brasil se preocupou em ser signatário de tratados internacionais.
Pois bem, importante trazer ao debate a homofobia passou a ser criminalizada em nosso País no ano de 2019, quando Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido formulado na MI 4733/DF, reconhecendo a omissão legislativa e aplicando, com efeitos prospectivos, até que o Congresso Nacional edite lei específica, a extensão dos crimes de preconceito por cor, etnia, religião, raça e procedência nacional à discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, aos atos de homofobia.
Portanto, passou a prevalecer que o crime de racismo, encampado à luz da lei 7.716/1989 se equipara a homofobia. Logo, caso o discurso do pastor André Valadão, em sendo considerado homofóbico, se fosse antes da decisão da Suprema Corte em 2019 não seria considerado crime.
Para sedimentar a análise técnica vergastada neste artigo, é importante agora adentrar na discussão sobre ser o Brasil signatário de tratados internacionais que punam o crime de racismo, que por equiparação se criminaliza a homofobia, sendo, portanto, implementando a possibilidade da extraterritorialidade vinculada perante o caso enfrentado.
Em sendo assim, necessário enfatizar que o Brasil é signatário da Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância a essas práticas, a partir de decreto assinado pelo Poder Executivo.
Desta feita, podemos concluir pela possibilidade da aplicação da lei penal brasileira sobre o caso em comento, desde que seja considerado crime, tendo em vista a previsão do instituto penal da extraterritorialidade, o reconhecimento da criminalização de atos homofóbicos a partir da decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal equiparando estes atos aos de racismo preconizadas na lei 7.716/89, sendo, ainda, o nosso País signatário de Tratados internacionais acerca da temática abordada, preenchendo, portanto, a exigência do artigo 7º do Código Penal Brasileiro.
Referências
Cunha, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120º) / Rogério Sanches Cunha. – 8. Ed. Rev., ampl. E atual – Salvador: JusPODIVM, 2020.
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