Um levantamento recente realizado pela associação Contas Abertas revela que até o início de maio, o Brasil havia utilizado apenas 19% do orçamento anual destinado ao combate e prevenção de desastres naturais. Com um total de R$ 2,6 bilhões previstos para o ano, apenas cerca de R$ 494 milhões haviam sido empenhados até então. Esses dados, preocupantes por si só, trazem à tona uma série de questões sobre a eficácia e a priorização das ações governamentais nesse campo crucial.
O repasse desses recursos pelo governo federal é condicionado ao envio de projetos por prefeituras ou deputados federais. No entanto, segundo o diretor-presidente da associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, existe uma lacuna considerável entre os recursos disponíveis e sua efetiva aplicação. "Vivemos uma situação paradoxal. Tragédias naturais se repetem anualmente, mas os recursos destinados para combatê-las não são sequer totalmente utilizados", lamenta.
Entre os desafios enfrentados para a plena utilização dos recursos, destaca-se a dificuldade enfrentada pelas prefeituras na elaboração e envio de projetos complexos. Municípios de pequeno e médio porte muitas vezes não contam com os recursos técnicos necessários para desenvolver projetos de prevenção, como obras de contenção de encostas ou dragagem de rios. Isso cria uma barreira significativa para a utilização eficiente dos recursos disponíveis.
A situação no Rio Grande do Sul serve como um exemplo contundente dos impactos dessa realidade. Mais de 80% dos municípios do estado foram afetados pelas recentes enchentes, deixando um rastro de destruição, com mais de cem mortos e centenas de milhares de desabrigados. No entanto, o levantamento revela que, em 2024, apenas uma parlamentar destinou emendas para a prevenção de desastres climáticos na bancada gaúcha do Congresso.
Um ponto alarmante é que os gastos com obras emergenciais, voltadas para a remediação dos danos causados por desastres naturais, muitas vezes superam em muito as ações de prevenção. Dos R$ 2,6 bilhões previstos no orçamento, cerca de R$ 1,5 bilhão é direcionado para ações emergenciais de proteção e Defesa Civil, evidenciando uma priorização das respostas imediatas sobre medidas preventivas.
Essa tendência de priorização das respostas emergenciais sobre a prevenção é um padrão observado ao longo dos anos. Entre 2018 e 2024, o governo federal investiu sete vezes mais em ações de socorro do que em ações de prevenção, totalizando R$ 7 bilhões em ações de reconstrução, comparados a R$ 2,7 bilhões em ações preventivas.
Diante desses desafios, o governo tem anunciado medidas para enfrentar a situação, como um pacote de R$ 1,7 bilhão para contenção de encostas e R$ 4,8 bilhões para drenagem urbana, como parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No entanto, é crucial garantir que esses recursos sejam efetivamente aplicados de forma a priorizar a prevenção e reduzir a vulnerabilidade das comunidades frente a desastres naturais.
Em resposta às demandas urgentes, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) afirmou que as cidades afetadas no Rio Grande do Sul precisam apresentar planos de trabalho para receber os recursos disponíveis. Além disso, foram aprovados novos planos de recuperação e repassadas verbas emergenciais para as cidades atingidas pelos temporais, mostrando um esforço para agilizar a assistência às comunidades afetadas.
No entanto, é fundamental que essas medidas sejam parte de uma abordagem mais ampla e estratégica, que priorize não apenas a resposta imediata a desastres, mas também a prevenção e a redução da vulnerabilidade das comunidades frente a eventos climáticos extremos. Somente assim poderemos enfrentar de maneira eficaz os desafios impostos pelas mudanças climáticas e proteger as vidas e os meios de subsistência das populações mais vulneráveis.
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